terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Partida da Morte


A denominada Partida da Morte foi um jogo de futebol não-oficial disputado em 1942 por prisioneiros de guerra soviéticos e soldados nazistas da Wehrmacht. O time soviético, formado em sua maioria por ex-jogadores do Dínamo de Kiev, derrotou os alemães, mesmo sabendo que as consequências de tal feito poderiam ser fatais.

Durante a década de 1930 o futebol tornou-se um esporte muito popular na antiga União Soviética, particularmente na Ucrânia. A equipe ucraniana mais forte da época era o Dínamo de Kiev.

Para entender: Em Junho de 1941, teve início a invasão da União Soviética perpretada pela Alemanha Nazista.

Para defesa da Pátria-mãe, diversos futebolistas do Dínamo de Kiev juntaram-se ao exército e seguiram para a frente de batalha. Mas, a cidade de Kiev caiu frente à Alemanha.  Muitos dos jogadores do Dínamo de Kiev que sobreviveram ao subsequente massacre da população da cidade acabaram encarcerados em campos de prisioneiros, sendo, posteriormente libertados por não apresentarem risco à Alemanha.


Foi na Padaria “Número 3” de Kiev que os futebolistas eventualmente reuniram-se para trabalhar na cidade ocupada. Tudo começou quando Mykola Trusevych, ex-goleiro do Dínamo, retornou a Kiev após ser liberado do Campo de Darnitsa. 

Ele conseguiu um emprego de faxineiro na padaria com Iosif Kordik, fã de seu antigo time. Kordik era o novo gerente do local, obtendo esta posição privilegiada devido a sua origem alemã. Entusiasta dos esportes, ele teve a idéia de formar um time de futebol próprio da padaria.  Trusevych passou então a primavera de 1942 à procura de seus antigos colegas de equipe.
 

Como o Dínamo estava enclausurado e proibido de se apresentar, deram um novo nome para aquela nova equipe.

Assim nasceu o F.C. Start, que através de contatos alemães começou a desafiar a equipes de soldados inimigos e seleções formadas no III Reich. O Start era composto por  oito jogadores do Dínamo (Mykola Trusevych, Mikhail Svyridovskiy, Mykola Korotkykh, Oleksiy Klimenko, Fedir Tyutchev, Mikhail Putistin, Ivan Kuzmenko e Makar Goncharenko) e três do Locomotiva de Kiev (Vladimir Balakin, Vasil Sukharev e Mikhail Melnyk).

Formação do F.C. Start

O jogo de estréia da temporada foi em 7 de junho de 1942. Neste dia, o Start jogou sua primeira partida da liga local contra o Rukh, equipe formada por outros jogadores ucranianos. A liga em si era mantida por Georgi Shvetsov, antigo futebolista e então técnico do Rukh. O Start venceu por 7 a 2.

Para enfatizar o fato de que estavam jogando pela cidade, os futebolistas usavam camisas de malha vermelhas, que Trusevich e Putsin haviam encontrado em um depósito abandonado. Durante 1942, o Start disputou diversas partidas contra equipes de soldados das guarnições invasoras, vencendo todas.                 

A coisa começou à ficar séria quando em 17 de julho enfrentaram uma equipe do exército alemão e golearam por 6 a 2. Muitos nazistas começaram a ficar chateados pela crescente fama do grupo de empregados da padaria e buscaram uma equipe melhor para ganhar deles. Trouxeram da Hungria o MSG com a missão de derrotá-los, mas o FC Start goleou mais uma vez por 5 a 1, e mais tarde, ganhou novamente de 3 a 2 numa revanche.

O time da Luftwaffe, Flakelf, pediu por uma revanche.

O jogo foi disputado em 9 de agosto de 1942 no Estádio Zenit e, ao contrário de outras partidas, foi marcado pela presença maciça de policiais e tropas alemãs. Um oficial da SS foi apontado como árbitro. 

Antes do jogo, ele visitou a equipe soviética em seu vestiário, alertando os futebolistas a jogar dentro das regras e, antes da partida, saudar os oponentes "à nossa moda", isto é, com a saudação nazista.

Jornal da época com destaque para a fatídica partida de futebol

Mesmo reconhecendo que sua vitória poderia render graves consequências, o Start decidiu jogar. 

Ao entrar em campo, a equipe recusou-se a fazer a saudação nazista para os soldados e oficiais de alta patente reunidos no estádio.

Ao invés disto, levaram a mão ao peito e no lugar de dizer: - "Heil Hitler!", gritaram - "Fizculthura!", uma expressão soviética que proclamava a cultura física. 

Como previsto por eles, o árbitro ignorou solenemente os abusos cometidos pela equipe do Flakelf. O time alemão pressionou desde o princípio o goleiro Trusevych que, após sofrer repetidas faltas, foi chutado na cabeça por um atacante adversário. Aturdido pela pancada, ele deixou passar o primeiro gol do Flakelf.

Momento da saudação. Fizchultura!!! Bradaram os russos

O árbitro continou a ignorar os apelos do Start contra a violência de seus oponentes; o Flakelf pôde então prosseguir com as tentativas de intimidar os adversários através da força física.

Apesar disso, o Start marcou seu primeiro gol com um chute fora da área dado por Kuzmenko.

Correndo contra o final do primeiro tempo, Goncharenko driblou toda a defesa do Flakelf antes de colocar a bola na rede do adversário, deixando o placar em 2 a 1 para o Start. Antes do intervalo os soviéticos ainda conseguiram marcar outro gol.


Durante o intervalo, o Start recebeu novamente visitantes em seu vestiário.

Era Shvetsov, pedindo que a equipe entregasse o jogo.

Ele foi seguido por outro oficial da SS, que disse aos jogadores que os alemães estavam impressionados com sua habilidade, mas que deveriam entender que não poderiam esperar vencer e que, na verdade, deviam pensar nas consequências caso ganhassem a partida.

Durante o segundo tempo, cada lado marcou dois gols.

Já no fim da partida, com o Start em posição praticamente imbatível devido ao placar de 5 a 3, Klimenko, um zagueiro, recebeu a bola, driblou a retaguarda alemã e contornou o goleiro. Então, ao invés de deixá-la cruzar a linha do gol, ele virou-se e chutou a bola de volta ao meio-campo. O árbitro soprou o apito final antes de completados os noventa minutos.

Na semana seguinte ao jogo contra os alemães (16 agosto), o Start derrotou o Rukh novamente, desta vez por 8 a 0.

Foi sua última partida.

Pouco tempo depois, todos os jogadores da equipe foram presos e torturados pela Gestapo, sob a alegação de que pertenceriam à NKVD.

Um dos presos, Mykola Korotkykh, morreu sob tortura. O restante foi enviado ao campo de trabalho de Syrets, onde Ivan Kuzmenko, Oleksey Klimenko e o goleiro Mykola Trusevich foram executados em fevereiro de 1943.

Monumento aos Heróis - Kiev (Ucrânia)

Entre os poucos sobreviventes após a guerra, estavam Fedir Tyutchev, Mikhail Sviridovskiy e Makar Goncharenko, que se tornaram os responsáveis por propagar na cultura popular soviética a história de sua histórica partida contra os nazistas.

M. Goncharenko e M. Sviridovskiy em frente ao monumento

Na Ucrânia, os jogadores do F.C. Start hoje são heróis da pátria e seu exemplo de coragem é ensinado nos colégios. No estádio Zenit uma placa diz "Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista".

Fonte :
"The Match of Death: Kiev, 9 August 1942", matéria de James Riordan publicada em Soccer & Society, volume 4, edição 1, março de 2003

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